A rainha-mãe do senhor de dois reinos – uma história real
Por: Rosiane Rodrigues, em
Em tempos de casamentos reais, bem que eu poderia começar com "Era uma
vez..." porque a vida de Maria Jesuína mais parece um conto de fadas. Duvida?
Então vamos lá. O rei Agonglo, sucessor do rei Kpengla, foi o oitavo governante
soberano de um reino distante, chamado Dahomé. Benevolente, ouvia seus súditos
em muitas decisões importantes e fez várias reformas para melhorar a vida do
povo. Em seu governo as artes floresceram e o reino do Dahomé ficou conhecido
pela produção de tronos reais espetaculares e finos tecidos. Agonglo teve muitos
filhos, com várias esposas – neste reino, assim como em muitos outros, os reis
podiam ter quantas esposas pudesse sustentar.
Maria Jesuína, uma das esposas de Agonglo, era conhecida no Dahomé como Ná Agontime, mãe do príncipe Ghezo, um dos caçulas que sucederia ao trono, conforme determinou o oráculo de Fá. Na verdade, o rei Agonglo tinha um sucessor legítimo – o príncipe Adandozan – mas o caráter sanguinário do menino fazia com que todo reino temesse a sua ascensão ao trono. Preocupado com os rumos das disputas sucessórias, o rei consultou os deuses através de Fá para saber o que deveria ser feito. E os espíritos da bondade orientaram para que Ghezo, um dos filhos mais novos, assumisse o trono depois de sua morte. Agonglo acalmou-se. Ele sabia que todos os seus filhos e súditos respeitariam as prescrições do oráculo sagrado e que o seu reino estaria em segurança, sendo governado por Ghezo.
Temerosa e feliz, Agontime (ou Jesuína) esmerou-se na criação do filho. Ensinou a ele que deveria ser justo nas decisões e honesto nos negócios. Também deu muita importância aos princípios religiosos que exigiam o respeito aos mais velhos, o amor à natureza e a reverência à família. Ghezo cresceu forte, inteligente e, quando alcançava a puberdade, começou a ser preparado para assumir o trono do Dahomé. Em seus sonhos, Ná Agontime temia que o futuro de Ghezo estivesse ameaçado por causa da ira e ambição de Adandozan.
Em 1797 o rei Agonglo faleceu. Inconformado com a determinação dos deuses, Adandozan em um acesso de fúria, vendeu a mãe de seu meio-irmão como escrava. Agontime foi colocada amarrada em um grande barco e enviada a uma terra muito distante. Foram meses de travessia do Oceano Atlântico, até que ela, juntamente com centenas de outras pessoas feitas de escravas, aportaram em terra firme. Antes de sair do Dahome, Adandozan deu ordens aos mercadores que, além de não contarem a ninguém o paradeiro de Agontime, trocassem o seu nome para que nem Ghezo - e nem mesmo os deuses! - pudessem encontrá-la. Foi assim que Agontime virou Maria Jesuína. E iniciou a construção do reino do Dahomé no Brasil.
Ao chegar em São Luís do Maranhão, na costa brasileira, Maria Jesuína – mãe do herdeiro do trono do Dahomé – conseguiu dinheiro para comprar a liberdade e resolveu construir, mesmo em terras estrangeiras, um reino para que seu filho pudesse governar soberano. Com o auxílio dos deuses da bondade e do espírito ancestral de todas as mães do seu reino, Ná Agontime fundou o "Querebentã de Zomadunu" - conhecida como Casa das Minas-Jeje - e, construindo os altares, os templos e o estilo de vida que levava em sua terra natal, conforme suas tradições e preceitos, manteve-se à espera de que, um dia, seu filho, o príncipe Ghezo, pudesse receber o seu verdadeiro legado. É claro que Jesuína não construiu o Querebentã sozinha. Ela convidou outras mulheres, mães que tiveram seus filhos tirados à força ou mortos pela escravidão, para unir-se à empreitada.
Mal sabia ela que seu sonho logo viraria realidade. Em poucos anos, Ghezo - aproveitando os ensinamentos dados pela mãe - cumprindo o que os deuses determinaram, destronou Adandozan e, logo que assumiu o trono, enviou uma missão ao Brasil para resgatar Agontime. Ao chegar ao Maranhão, os súditos reconheceram os costumes e a linhagem real do Dahomé instalados em terras brasileiras. Ná Agontime voltou a sua terra natal como mãe do rei e viveu longos anos. Ghezo governou soberano seus dois reinos, já que todos os voduns (espíritos ancestrais da tradição Fon), originários da família real do Dahomé, permaneceram no Querebentã, aqui no Brasil.
Maria Jesuína voltou a ser chamada como Rainha-mãe Ná Agontime e nos deixou o legado da Casa das Minas, a mais antiga casa africana da nação Jeje, do Brasil. Para comprovar a veracidade desta história, o trono de Adandozan, todo esculpido em madeira, foi enviado por Ghezo a D. Pedro I, e encontra-se exposto no Museu Histórico Nacional.
É com esta interpretação romanceada e propositalmente imprecisa de Agontime, personagem principal de um dos mais importantes fatos da nossa história, que reverencio as mulheres que, assim como ela, dedicam boa parte da vida na construção de reinos e castelos para milhares de filhos-rei.
* Fontes: Anais do Colóquio da Unesco sobre as Sobrevivências das Tradições Africanas no Caribe e na América Latina e Sérgio Ferretti (Querebentan de Zomadunu – Etnografia da Casa das Minas.
Maria Jesuína, uma das esposas de Agonglo, era conhecida no Dahomé como Ná Agontime, mãe do príncipe Ghezo, um dos caçulas que sucederia ao trono, conforme determinou o oráculo de Fá. Na verdade, o rei Agonglo tinha um sucessor legítimo – o príncipe Adandozan – mas o caráter sanguinário do menino fazia com que todo reino temesse a sua ascensão ao trono. Preocupado com os rumos das disputas sucessórias, o rei consultou os deuses através de Fá para saber o que deveria ser feito. E os espíritos da bondade orientaram para que Ghezo, um dos filhos mais novos, assumisse o trono depois de sua morte. Agonglo acalmou-se. Ele sabia que todos os seus filhos e súditos respeitariam as prescrições do oráculo sagrado e que o seu reino estaria em segurança, sendo governado por Ghezo.
Temerosa e feliz, Agontime (ou Jesuína) esmerou-se na criação do filho. Ensinou a ele que deveria ser justo nas decisões e honesto nos negócios. Também deu muita importância aos princípios religiosos que exigiam o respeito aos mais velhos, o amor à natureza e a reverência à família. Ghezo cresceu forte, inteligente e, quando alcançava a puberdade, começou a ser preparado para assumir o trono do Dahomé. Em seus sonhos, Ná Agontime temia que o futuro de Ghezo estivesse ameaçado por causa da ira e ambição de Adandozan.
Em 1797 o rei Agonglo faleceu. Inconformado com a determinação dos deuses, Adandozan em um acesso de fúria, vendeu a mãe de seu meio-irmão como escrava. Agontime foi colocada amarrada em um grande barco e enviada a uma terra muito distante. Foram meses de travessia do Oceano Atlântico, até que ela, juntamente com centenas de outras pessoas feitas de escravas, aportaram em terra firme. Antes de sair do Dahome, Adandozan deu ordens aos mercadores que, além de não contarem a ninguém o paradeiro de Agontime, trocassem o seu nome para que nem Ghezo - e nem mesmo os deuses! - pudessem encontrá-la. Foi assim que Agontime virou Maria Jesuína. E iniciou a construção do reino do Dahomé no Brasil.
Ao chegar em São Luís do Maranhão, na costa brasileira, Maria Jesuína – mãe do herdeiro do trono do Dahomé – conseguiu dinheiro para comprar a liberdade e resolveu construir, mesmo em terras estrangeiras, um reino para que seu filho pudesse governar soberano. Com o auxílio dos deuses da bondade e do espírito ancestral de todas as mães do seu reino, Ná Agontime fundou o "Querebentã de Zomadunu" - conhecida como Casa das Minas-Jeje - e, construindo os altares, os templos e o estilo de vida que levava em sua terra natal, conforme suas tradições e preceitos, manteve-se à espera de que, um dia, seu filho, o príncipe Ghezo, pudesse receber o seu verdadeiro legado. É claro que Jesuína não construiu o Querebentã sozinha. Ela convidou outras mulheres, mães que tiveram seus filhos tirados à força ou mortos pela escravidão, para unir-se à empreitada.
Mal sabia ela que seu sonho logo viraria realidade. Em poucos anos, Ghezo - aproveitando os ensinamentos dados pela mãe - cumprindo o que os deuses determinaram, destronou Adandozan e, logo que assumiu o trono, enviou uma missão ao Brasil para resgatar Agontime. Ao chegar ao Maranhão, os súditos reconheceram os costumes e a linhagem real do Dahomé instalados em terras brasileiras. Ná Agontime voltou a sua terra natal como mãe do rei e viveu longos anos. Ghezo governou soberano seus dois reinos, já que todos os voduns (espíritos ancestrais da tradição Fon), originários da família real do Dahomé, permaneceram no Querebentã, aqui no Brasil.
Maria Jesuína voltou a ser chamada como Rainha-mãe Ná Agontime e nos deixou o legado da Casa das Minas, a mais antiga casa africana da nação Jeje, do Brasil. Para comprovar a veracidade desta história, o trono de Adandozan, todo esculpido em madeira, foi enviado por Ghezo a D. Pedro I, e encontra-se exposto no Museu Histórico Nacional.
É com esta interpretação romanceada e propositalmente imprecisa de Agontime, personagem principal de um dos mais importantes fatos da nossa história, que reverencio as mulheres que, assim como ela, dedicam boa parte da vida na construção de reinos e castelos para milhares de filhos-rei.
* Fontes: Anais do Colóquio da Unesco sobre as Sobrevivências das Tradições Africanas no Caribe e na América Latina e Sérgio Ferretti (Querebentan de Zomadunu – Etnografia da Casa das Minas.
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