DOSSIÊ DE HISTÓRIA – TEXTO 02 – 21março2016 – 1º SEMESTRE 2016. (publicado em 2009 - Revista História Viva – ano VII nº 73 – páginas 30/33).
DOSSIÊ DE HISTÓRIA – TEXTO 02 – 21março2016 – 1º SEMESTRE 2016.
(publicado em 2009 - Revista
História Viva – ano VII nº 73 – páginas 30/33).
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República:
120 anos – 2 golpes – 1 revolução – 15 militares no comando – 27 civis no
poder – 7 presidentes sem votos – 4 depostos -9 eleições indiretas – 20 diretas
– 6 chefes da nação mortos – 71 anos de governos eleitos pelo povo – 49 anos de
governos indicados por minorias – 21 anos de regime militar.
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Sua
majestade O PRESIDENTE – A história do Brasil tem sido a crônica de um controle
férreo exercido pelo poder central. O golpe de Estado é a prática de negar os
direitos públicos apreendida na era do absolutismo.
O nosso estado é absolutista,
movido a golpes políticos e militares que nos afastam da ordem democrática. O golpe
inaugural foi cometido por D. Pedro I, em 12 de novembro de 1823. Sua quartelada
fechou a Assembleia Constituinte e mostrou que os representantes do povo tinham
importância quase nula.
A
República se instaurou com outro golpe, em de 15 de novembro de 1889. E temos o
golpe de Getúlio Vargas e o Estado novo, com garantia jurídica do político e
jurista Francisco campos, imitador do nazista Carl Schmitt, conhecido como “jurista
maldito”, dado que pôs seu conhecimento em direito constitucional a serviço do
nacional-socialismo alemão. O mesmo campos legitimou o golpe de 1964 e redigiu
parte do Ato institucional nº 01, por meio do qual a ditadura que se iniciava
cassou e suspendeu os direitos políticos de quem se opunha á autoproclamada “Revolução”.
Os
Grandes golpes tornaram possíveis os pequenos, mudanças imperceptíveis no
direito dos indivíduos, grupos econômicos e sociais. Os “planos econômicos”,
por exemplo, apresentaram as características apontadas por Gabriel Naudé, defensor
do absolutismo maquiavélico, na obra Considerações
políticas sobre o golpe de estado de 1640.
Segundo
Naudé, nos golpes tudo é invertido em relação à normalidade. O autor indica que
neles o efeito precede a causa, e o espaço não se produz: “Nos golpes de Estado, vemos a tempestade cair antes dos trovões; as
matinas são ditas antes que o sino toque; a execução precede a sentença; (...)
um indivíduo recebe o golpe que imaginava dar, outro morre quando pensava estar
seguro, um terceiro recebe o golpe que não esperava; tudo ocorre à noite, no
escuro e entre trevas.”.
O golpe inverte os valores
jurídicos, religiosos, morais. Tudo se faz naqueles atentados ao direito
público, de trás para frente. Os planos econômicos brasileiros seguem o mesmo
padrão: quando a cidadania abre os jornais, de manhã, o “pacote” está
consumado. Sem defesa possível.
Essa
é uma prática em países que não romperam com o moderno absolutismo. Neles, o Parlamento
serve apenas para registrar os ditames do governo. As taxas e “contribuições
voluntárias” são impostas sem que se possa contestá-las. A justiça faz ouvidos
moucos aos reclamos.
Nos
países democráticos, as mudanças se iniciaram em revoluções cuja origem é o
protesto contra impostos abusivos. É o caso da Inglaterra no século XVII e dos
Estados Unidos e da França no século XVIII. O Estado Brasileiro nasceu para
impedir, em Portugal e no Brasil, tais movimentos e transformações democráticas.
Somos um Estado absolutista anacrônico, o contrário da modernidade cidadã.
INDEPENDÊNCIA – o Brasil
independente surgiu com um golpe contrário às modernas conquistas liberais. Os fatos
políticos dos séculos XVII e XVIII, como a Revolução Inglesa, a Revolução
Francesa e a independência estadunidense seriam episódios de anarquia, na visão
de conservadores. Urgia, assim, afastar a “ameaça democrática”. Na época se
inventou uma fórmula para impedir a soberania do povo e de sua representação política:
o Poder Moderador.
Essa
forma de poder foi imaginada por Benjamin Constant, um liberal francês. O Poder
Moderador deveria ser neutro e exercido pelo rei. Ele acreditou que isso impediria
o despotismo do legislativo e atenuaria as pretensões do Executivo, garantindo
o Judiciário.
No
Brasil, depois da independência, os que desejavam um poder representativo e
constitucional conseguiram em 1822, a convocação da Assembleia. Sugiram, porém,
dois projetos conflitantes: o da monarquia soberana, defendido por José
Bonifácio, e o de um governo constitucional, por José Clemente da Cunha.
Foi
quando D. Pedro I foi aclamado, Bonifácio enfatizou a supremacia do imperador,
venceu Clemente, e o Império foi instituído por direito divino. O novo governo admitiu
a liberdade política, mas sob a égide de um monarca.
Em
1823, o político e diplomata José J. Carneiro de Campos, ao discutir a sanção
do soberano, apresentou a ideia do Poder Moderador. A constituição de 1824
incorporou a tese e o imperador ganhou o poder de dissolver a Câmara de
deputados. Com o Judiciário sem autonomia, ficou estabelecido que o soberano estava
acima dos poderes.
Em
resumo, o Poder Moderador no Brasil seguiu rumo à ditadura de um chefe de
Estado, em que o “povo”, tal como em Portugal, era a aristocracia e o rico proprietário
sem sangue judeu, com direito a voto, mas sem presença ativa na esfera pública.
“Cidadão”, no caso, era título que não cabia aos pobres e aos escravos.
Essa
realidade manteve-se durante o império, incluindo o tempo de regência, quando o
país passou por levantes sufocados de norte a sul. A permanente revolta e as
necessidades do poder central definiram a concentração de poderes que até hoje
molesta o país. Tem-se ainda uma federação na qual os estados possuem pouco
autonomia, sobretudo em matéria fiscal. O parlamento brasileiro não defende o
contribuinte, mas os interesses oligárquicos.
Com
o fim do Império, os positivistas te4ntaram derrotar as forças liberais e
apresentaram seu próprio conceito de ditadura. Nela, se acentuou preponderância
do Executivo sobre o legislativo e se concentrou o poder diretor em uma única
pessoa. Falar em Legislativo, nessa doutrina, é um erro, pois, a Assembleia só
teria função fiscal: aprovar o orçamento.
REPÚBLICA: As prerrogativas
do Poder Moderador foram incorporadas à presidência do país a partir da
República. Com elas, vem a permanente pretensão dos ocupantes daquele Cargo a
assumir, como imperadores temporários, a hegemonia sobre os demais poderes.
Não por acaso Carl Schmitt, o
jurista do nazismo, referiu-se ao nosso Poder Moderador em seu livro O protetor da Constituição. Schmitt
negou que o Judiciário possa exercer aquele papel, por que é idêntico a normas
e age sempre depois, na correção dos desvios e fraturas institucionais. O estudo
desse caso, importante na história dos poderes soberanos e da conexão teórica
entre o que se passou na Alemanha e no Estado brasileiro, pode explicar o nosso
centralismo excessivo, a quase inexistente federação, os poderes da
presidência.
O Poder Moderador era vitalício
e hereditário. Uma presidência republicana, mas imperial, limitara por quatro
anos, sobre a tentação de pressionar o Congresso para que esse faça ou aprove
leis favoráveis às urgências do Executivo. De modo idêntico vêm as pressões
sobre o judiciário, para que reconheça a legitimidade das mesmas leis.
Dificilmente
o nosso Estado e sociedade entrariam, portanto, na qualificação de formas
democráticas. A história do Brasil, do início até hoje, passando pela Revolução
Constitucionalista de São Paulo, em 1932, tem sido a crônica de um controle
férreo exercido pelo poder central. É como se cada estado, sobretudo os que se
levantaram em armas (Rio Grande do Sul, Pernambuco, Pará, Bahia e São Paulo)
fosse submetido à invasão permanente dos que dirigem o todo nacional.
E o invasor leva o butim:
aproximadamente 70% dos impostos seguem para os cofres federais. Do Oiapoque ao
Chuí, ocorre uma uniformização que resulta em enorme burocracia federal. A mão
de ferro de Brasília controla, dirige, pune e premia os estados, segundo
sustentem os interesses da presidência. A concentração de poderes deixa regiões
e municípios à mingua de recursos.
No Império, ao chefe de Estado
são atribuídos privilégios imperiais, o que atenua a autonomia dos demais
poderes, incluindo o Judiciário. E sem juízes independentes temos a ditadura do
Executivo, sob perene chantagem do Legislativo.
Neste ambiente instável a
cultura do golpe de Estado não está afastada. Ela apenas substitui temporariamente
alguns de seus operadores; sai a dupla formada por soldados e juristas, fica o
par integrado pelos políticos e... os mesmos juristas. Atores e cenários são
idênticos, dos canhões usados por D. Pedro aos recentes atos secretos do
Senado, que marcam efetivos estupros da Carta Magna.
O golpe de Estado é prática, aprendida na era do absolutismo, de negar
os direitos públicos. Nesta arte, o Brasil é mestre.
(ROBERTO ROMANO).
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