A humanização das
condutas alimentares.
(Extraído
do livro “História da Alimentação”, sob
a direção de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari – Editora Estação
liberdade – 3ª edição - 1996 )
Em
que e a partir de quando o homem se distingue do animal em sua alimentação?
Pelo tipo de alimentos que consome ou por sua variedade? Pelo modo como os
prepara anates de comê-los? Pelo cerimonial que envolve seu consumo, a
comensalidade e a função social que caracterizam as refeições?
ALIMENTOS
As tumbas do antigo Egito, a
partir do quarto milênio, mostravam a variedade de alimentos de que já
dispunham as elites sociais. Muito variadas, além disso, são as massas, carnes,
peixes, laticínios, frutas, legumes e bebidas que constam do cardápio de uma
refeição preparada para um faraó da décima-nova dinastia e seu numeroso
séquito. Mas o que comia o homem comum na mesma época? A esse respeito temos
uma ideia bem menos precisa.
Seria bem mais difícil saber a
partir de quando cada um desses alimentos passou a fazer parte da alimentação
humana. O que se pode dizer é que os homens sempre foram onívoros e mais ou
menos inclinados, de acordo com as épocas e as regiões em que viveram, a comer
alimentos vegetais ou animais De qualquer
modo, não se pode dizer que essa característica marca o início da história
humana, pois, antes mesmo da primeira aparição dos hominídeos, já existiam
primatas onívoros.
Durante milhões de anos, frutas,
folhas ou grãos parecem ter fornecido ao homem pré-histórico o essencial das
calorias de que necessitava, a preponderância da alimentação vegetal é sugerida
pelas dimensões relativamente pequenas dos territórios explorados e pelo
desgaste característico dos dentes dos fósseis humanoides. Se os estudiosos da
pré-história escreveram mais sobre os produtos da caça e da pesca do que sobre os
alimentos vegetais, isso se deveu em parte ao fato de que só agora se começa a
desenvolver os métodos – um químico, outro isotópico – que permitirão medir as
respectivas partes de vegetal e de carne na alimentação e determinar os tipos
de vegetais que eram consumidos.
Debateu-se muito, nestas últimas
décadas, a questão de saber se os primeiros hominídeos – australopitecos, Homo
habilis, depois Homo erectus, este último há cerca de 1,5 milhões de anos –
foram calçadores ou ladrões de carcaças. A
ideia que defendemos aqui é a de que, desde a origem do gênero humano, o homem
praticou uma caça ativa, ainda que eventualmente roubasse as presas de outros
predadores.
A partir da era paleolítica
inferior, principalmente na Europa, a caça e o consumo de carne tiveram u m
aumento significativo. A caça ocasional, diversificada, mas sempre de animais
de grande porte – ursos, rinocerontes, elefantes – é a mais frequente no
período paleolítico médio (200.000-40.000 a .C). No período paleolítico superior
(40.000-10.000 a.C.), desenvolveu-se uma caça especializada de mamadas de
renas, cavalos, bisões, auroques ou mamutes, dependendo das regiões e dos
recursos locais.
Depois do resfriamento do clima
europeu, o homem do período mesolítico deve ter-se voltado para os animais bem
menores, característicos da fauna atual – cervos, javalis, pequenos carnívoros peludos, lebres, pássaros
e até caracóis – dedicando-se cada vez mais à pesca e à coleta de frutas e de
cerais. Enfim, com a revolução neolítica e as primeiras civilizações, diminui a
proporção de carne resultante da caça, à medida que se desenvolve a criação dos
animais de corte que conhecemos: bovinos, ovinos, caprinos, suínos.
Foi
no Oriente Médio que o homem, pela primeira vez, começou a desenvolver a
agricultura e a criação e animais. Essas atividades estenderam-se rapidamente a
outras regiões mediterrâneas, enquanto, mais ao norte, os produtos da coleta e
da caça continuaram predominando até depois da era cristã, favorecendo, aliás,
uma alimentação mais equilibrada com menos carências.
Que tipos de alimentos vegetais eram
consumidos na pré-história? Raízes e tubérculos? Talos tenros? Folhas? Frutas
sumarentas ou secas? Gostaríamos de ter uma resposta mais precisa a essas
questões.
Só se pode falar de cereais após o
início da agricultura, e ainda assim no caso das grandes sociedades civilizadas, ou seja, caracterizadas
pela existência de cidades, como as da Mesopotâmia, do Egito, da Síria, do Irã,
etc. É lá, normalmente, que se encontram referências sobre cereais, em geral ou
por espécies: em primeiro lugar a cevada – na Mesopotâmia e no Egito -, em
seguida, a espelta, o trigo e os alimentos e bebidas preparados a partir deles:
pães de massa fermentada ou não, bolos, fogaças, biscoitos diversos e a
cerveja.
Como imaginar, porém, o princípio da
agricultura cerealífera entre homens que ainda não apreciavam os cerais nem
tinham o hábito de consumi-lo? De fato, os cereais eram explorados em estado
silvestre: isso ficou demonstrado no que diz respeito à cultura natufense que
floresceu no Oriente Próximo de 12.000 a 10.000 anos a.C., e á Grécia, durante
todo o período mesolítico. Não há dúvida de que seu consumo remonta a tempos
bem mais antigos, dado que o desgaste dos dentes dos primeiros hominídeos
revela serem eles consumidores de grãos.
No período mesolítico, a alimentação
diversificou-se muito nas zonas temperadas. Mas não nos apressemos a
interpretar esse fenômeno como um enriquecimento ou um progresso; alguns veem
nisso antes uma resposta ao desaparecimento da caça de grande porte, que era
abundante no período glacial. Para conseguir uma ração alimentar suficiente,
foi necessário, desde então, empregar muito mais tempo que em épocas
anteriores, seja caçando animais pequenos – por exemplo, os gerbos dos
banquetes mesopotâmicos – seja colhendo grãos silvestres como as lentilhas, das
quais eram necessários 100 mil grãos para se obter um quilo!
No período neolítico também se deu
uma transformação ambígua – porém com uma resposta completamente diferente ao
desaparecimento do paraíso paleolítico. A agricultura e a criação de animais
constituem, dentre outras, formas de garantia contra os azares climáticos – mas
garantias não muito efetivas. Do mesmo modo que essas duas formas de produção
de alimentos permitem um adensamento da população maior que o da caça e da
coleta, parece também favorecer uma ideologia natalista, uma atitude favorável
à fecundidade das famílias, que resulta num crescimento demográfico rápido.
Isso implica o risco de aumento da mortalidade infantil e torna mais letal a escassez
periódica. Além disso, a agricultura, mesmo nas terras férteis aluviais bem
irrigadas do Egito ou da Mesopotâmia, exige um trabalho mais árduo que as grandes
caçadas do paleolítico superior. Finalmente, ao contrário dos
caçadores-coletores do mesolítico europeu, os agricultores e criadores
reduziram a variedade de sua alimentação, o que se revelou fonte de carências
e, por conseguinte, diminuição da esperança de vida.
Não apenas os homens depararam com
alimentos diferentes, de acordo com as regiões, mas aprecem ter procedido, em
cada região, a uma seleção e escolha dos
alimentos que a natureza lhes oferecia; escolhas que decorriam, aliás, da
diversidade de sua cultura. Hoje, por exemplo, os europeus não comem qualquer
inseto, ao contrário dos habitantes da África, da América e até da Ásia. Na
própria Europa, os franceses escandalizam ou deixam atônitos os habitantes de
outros países comendo escargots e rãs, enquanto a sopa de tartaruga de tornou
uma especialidade inglesa e bucho de carneiro uma peculiaridade escocesa. São
práticas eminentemente culturais, uma vez que, em todas as regiões da Europa,
existem escargots, rãs, tartarugas e carneiros. Sabe-se que, inversamente, as
religiões que floresceram fora da Europa proscrevem animais que a maioria dos
europeus aprecia – como o porco, a enguia e o esturjão e suas ovas ou ainda os
mariscos que os crustáceos, considerados impuros pelo judaísmo e pelo islamismo
– e que toda carne animal é vedada aos hindus. Seria interessante não apenas
saber a partir de quando os homens passaram a escolher entre os alimentos que a
natureza lhes oferecia, como também conhecer as regras que eles seguiram.
COZINHA
Há 500 mil anos, o homem teria
dominado o fogo, diferenciando-se de forma definitiva de seus ancestrais hominídeos,
que ainda viviam num estado de animalidade. Os historiardes da pré-história parecem
admitir que, de início, o fogo foi utilizado para cozer os alimentos e só bem
mais tarde foi empregado para outros fins. Daí se afirmar que a cozinha faz o
homem e que tanto um como outro tem 500 mil anos, é um passo. Antes de dar esse
passo reflitamos um pouco sobre os elementos que indicam essa passagem do cru
ao cozido, sobre o que é a cozinha, sobre como se pôde inventar uma arte de tal
importância e sobre as razões de fazê-lo.
Costuma-se dizer que o gosto pela carne
cozida é comum a praticamente todos os carnívoros e que ela é procurada depois
de incêndios naturais. Sugere-se, assim, que os próprios animais carnívoros
preferem o cozido ao cru e que comeriam assados todos os dias se soubessem cozinhar,
assim, logo que o homem conseguiu dominar o fogo, mudou seu regime.
Não aceitamos tão facilmente essa
ideia. Longe de se constituírem em valores objetivos, o bom e o ruim são noções
relativas, próprias a cada indivíduo e a cada cultura. Se podemos arriscar uma
hipótese em relação a esta questão é a de que normalmente se prefere o
conhecido, o habitual ao desconhecido; para um japonês a melhor maneira de
servir um peixe fresco é servi-lo cru; da mesma forma, um esquimó preferia, no início do século, foca crua, já
em decomposição, cortada em fatias finas, às focas cozidas e assadas ou com
molho, que lhe ofereciam os cozinheiros franceses. Nem todos os povos têm como
os europeus, uma tradição multimilenar de desconfiança em relação à carne crua
e de preferencia pelo cozido. Portanto, é preciso um cuidado especial em
relação ao conceito de gosto, quando se trata de falar da invenção da cozinha.
Aliás, o que ocorre depois dos
incêndios prova, certamente, que a carne assada não repugna aos animais
carnívoros quando eles a encontram nesse estado; mas isso não significa que
eles a prefiram à carne crua – uma vez que o animal vivo é difícil de pegar –
nem que eles se disponham a despender tempo, esforço e energia para inventar,
dominar o fogo e cozinhar seus alimentos.
O homem dominou o fogo cerca de 500
mi a.C. Isso parece estar comprovado. Ora, ele não dominou de um dia para
outro, pela graça de um Prometeu. E antes de dominar completamente - há bem mais de 500 mil anos – utilizou-o
para cozer alimentos, como indicam as ossadas carbonizadas que acompanham os primeiros
vestígios de fogueiras.
Reflitamos ainda sobre o que é a
cozinha. O primeiro capítulo faz uma alusão às plantas tóxicas em estado bruto,
mas comestíveis, depois de preparadas. Esta preparação pode ser uma fervura, no
caso dos cogumelos, tais como os ascomicetos
e discomicetos. Pode ser também, uma secagem, uma maceração ou a lavagem
prologada que elimina de algumas espécies de mandioca seu suco amargo e tóxico.
Sob esta rubrica poderíamos ainda falar de vários procedimentos de conservação
que impedem que os alimentos se tornem tóxicos. Além da secagem e da defumação
das carnes – práticas usadas desse o paleolítico superior – há outras, que
surgiram aparentemente mais tarde: o salgamento e todo tipo de fermentação
controlada que permitem obter produtos que se conservam por muito tempo, como a
cerveja, o vinho, a sidra, o vinagre, os queijos, o chucrute e os pepinos à
russa, o gnoc-mam vietnamita ou o
antigo garum, o molho de soja dos
chineses e o morri, da antiga
cozinha andaluza, etc. Todas essas técnicas, cujo objetivo principal era menos
melhorar o sabor dos alimentos que torná-lo comestíveis ou conservá-los, fazem
parte do que, num sentido amplo, podemos chamar de cozinha.
Como veremos mais adiante, cozer,
temperar, marinar, macerar, cortar, coar, cozinhar, em suma, tiveram como
função tornar os alimentos digeríveis e não nocivos, tanto ou mais que melhorar
o seu sabor; este, aliás, estava estreitamente relacionado aos hábitos
alimentares baseados nas crenças de cada cultura. As práticas culinárias revelaram-se,
de povo para povo, mais ou menos complexas, mas mesmo a mais simples delas já se
pode chamar de cozinha.
Teríamos então encontrando, com o
primeiro cozimento – há mais de 500 mil anos – o primeiro vestígio de cozinha? O
momento da humanização das condutas alimentares? Nada é menos certo. Pode ter
havido rudimentos de cozinha bem anteriores, anteriores até ao processo de
hominização.
É o que sugere o estudo de um
apequena população de macacos que vive na pequena ilha de koshima. Os estudiosos
japoneses dos primatas observaram que uma jovem macaca mergulhou uma
batata-doce na água de um regato antes de comê-la. Fato irrelevante? Apenas à primeira vista. Porque ela se
habituou a fazer isso e foi imitada por outras jovens macacas que se tornaram
adultas e ensinarem esse rito a seus filhotes. Nesse meio tempo, esta prática
evoluíra: passaram a preferir a água do mar à água doce inicial; os macacos, por
isso abandonaram a proximidade do rio e mudaram seu habitat para perto do mar,
e consequentemente adotaram outros alimentos, que eram imersos na água do mar. Qualquer
que tenha sido o motivo disso – ou, se preferirmos, qualquer que tenha sido a
maneira como os macacos vivenciaram essa experiência – esta imersão já constitui
um rudimento de cozinha. Podem ter existido várias outras experiências desse
tipo bem antes da primeira cocção (cozimento).
(fim)
NOTAS
A PERIODIZAÇÃO DA PRÉ-HISTÓRIA
. PRÉ-HISTÓRIA - (Origem do
homem - 4000 a.C) É o período que vai do surgimento do homem até a invenção da
escrita, e é o período em que se observa o surgimento do Homem e sua evolução
biológica e cultural.
A PERIODIZAÇÃO DA PRÉ-HISTÓRIA - baseada numa visão evolucionista
do processo histórico.
· Paleolítico.
· Mesolítico.
· Neolítico.
· Idade dos Metais.
PALEOLÍTICO (Até Aproximadamente 10.000 a.C) - Por viver da caça e
da coleta o homem era nômade de vivia coletivamente.
Características:- regime de
comunidade primitiva
- atividades econômicas: caça,
pesca e coleta de frutos, raízes e ovos.
- instrumentos rudimentares
feitos de ossos, madeiras ou lascas de pedra (sílex): raspadores, furadores.
- nomadismo. - domesticação
(controle) do fogo.
- habitação: cavernas, copa de
árvores ou choças feitas de galhos.
- propriedade coletiva das
terras, águas e bosques.
- pintura rupestre.
- sepultamento dos corpos.
NEOLÍTICO (Aproximadamente 10.000 - 4.000 a.C) - Com a revolução
agrária o homem tornou-se sedentário. Teve início a transição do coletivismo
para o individualismo. Agrupados em comunidades, firmaram os rudimentos das
trocas das propriedades e da urbanidade.
Características:
-Revolução Neolítica ou Agrícola
-Agricultura: cultivo de
plantas.
-Pecuária: criação
(domesticação) de animais.
- importância da mulher.
- aldeias. - sedentarização.
- aumento da população.
IDADE DOS METAIS - dissolução das comunidades neolíticas
- cobre, bronze e ferro.
- produção de excedente.
- aumento da população.
- armas.
- aparecimento das classes
sociais e da produção destinada à troca e não somente ao consumo pessoal.
- desigualdade social.
- propriedade privada.
- Estado.
- escrita.
- Civilização: sociedades
baseadas no regime de servidão coletiva, de Estado absolut: (sociedades
asiáticas: Egito e Mesopotâmia); e sociedades escravistas (Grécia e Roma).
2. Marcador isotópico ou marcação
isotópica é uma técnica para
rastrear a passagem de uma amostra de substância através de um sistema. A
substância é 'marcada' ao incluir isótopos pouco usuais em sua composição química.
Se estes isótopos não usuais são detectados posteriormente em certa parte do
sistema, deveriam originar-se da substância marcada. [1]
Na marcação isotópica comum, existem duas formas de detectar a
presença de isótopos de marcação. Dado que isótopos têm diferentes massas, podem ser separados usando espectrometria de massa. Outra consequência da diferença na
massa é que as moléculas que contém isótopos têm diferentes modos
vibracionais; estes
podem ser detectados por espectroscopia de
infravermelho
A marcação isotópica também pode ser usada para estudar uma reação química. Neste método, átomos específicos são substituídos por um
isótopo em uma molécula reagente que, então, participa em uma reação química.
Mediante espectroscopia, por exemplo espectroscopia de ressonância magnética nuclear, é possível identificar onde um
fragmento molecular particular no reagente termina como um fragmento particular
em um dos produtos de reação.
Um exemplo do uso do marcador isotópico é o estudo do fenol (C6H5OH) em água,
ao substituir-se hidrogênio (prótio)
com deutério (marcado com deutério). Ao
acrescentar-se fenol à água
deuterada (água que contém D2O além do H2O usual),
se observa a substituição de deutério por o hidrogênio no grupo
hidroxilo do fenol (resultando em C6H5OD), indicando
que o fenol sofre rapidamente reações de intercâmbio de hidrogênio com a água.
Só o grupo hidroxilo é afetado, indicando que os outros 05 átomos de hidrogênio
não participam nestas reações de intercâmbio.
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