Dossiê de
História.
Terceiros anos – texto 05 – 02 de abril de 2017
A ditadura da imagem.
DIOCLÉCIO
CAMPOS JÚNIOR – Médico, professor emérito da UnB.
A
sociedade do século atual deprecia tanto a linguagem falada quanto a escrita. A
leitura torna-se raquítica, insignificante. Consolida-se o idioma da imagem,
poderoso instrumento das forças dominantes da nova era. Prevalece como complexo
artifício virtual utilizado para driblar a vigilância da consciência das
pessoas, alojando-se, incólume, nas profundezas do inconsciente. É a estratégia
eficaz para a padronização comportamental pretendida.
Nos
idos tempos da construção de um processo civilizatório qualificado, esboçava-se
a perspectiva de surgimento dos valores realmente humanos. Fortaleceram-se a
escrita e a leitura. A imagem, naquela época, era a expressão da criatividade
artística nas modalidades da pintura e da escultura. A produção de livros históricos,
filosóficos e literários expandiu-se fortemente graças a talentos intelectuais
extraordinários. Ocorreu o mesmo com a música, reconhecidamente clássica, que
conferia melódica riqueza e calava fundo nas entranhas da alma de então.
O
Livro é uma das invenções mais diferenciadas de todas as épocas. Os textos escritos
despertam distintas interpretações, quando lidos. De fato, o leitor possui
tanta ou ás vezes, até mais criatividade do que o autor. Um personagem de determinado
romance tem o perfil construído originalmente não só por quem escreveu o livro,
mas também por pessoas que procedem à sua leitura. Em outras palavras, a
linguagem escrita é o estímulo eficaz que enseja a reflexão crítica e original do
leitor. Corresponde a uma produção cultural que se identificas com a liberdade
de expressão enriquecida pela pena capacidade interpretativa. Os escritores que
interagem com o público, durante as chamadas feiras do livro, impressionam-se
ante a bela energia criativa despertada pela leitura. A escrita respeita a diversidade
potencial da mente humana. É a substância estruturante ao ato de pensar, livre
dos recursos televisivos concebidos para inescrupulosas manipulações que exterminam
a liberdade de pensar.
A
banalização do universo intelectual de cada indivíduo tem contribuído para o
desaparecimento do projeto civilizatório da humanidade. Infelizmente, o avanço
tecnológico, definido como progresso, vem promovendo verdadeira devastação do
território educacional em que começavam a ser construídos os valores ético,
morais, estéticos e artísticos de uma nova era da história da humanidade. Nesse
tétrico contexto, prospera a força da imagem virtual como componente dotado de
elevado potencial de contágio e contaminação, que tem sido a mais potente
ferramenta comunicativa a serviço dos interesses dominantes, neutralizando-se a
perspectiva de uma saudável evolução da sociedade humana. Trata-se de manobra
destinada a padronizar mensagens visuais, criadas a fim de seduzir toda uma
população em benefício dos objetivos econômicos que comandam o espetáculo.
A
imagem virtual escapa à análise reflexiva e consciente de cada pessoa. Produz igual
impacto em todos aos que a veem. Trata-se ignóbil mecanismo feito para iludir e
explorar os cidadãos, bem diferente da linguagem escrita. É o monopólio que
subordina a inteligência alheia. Gera a estratégia que inunda o inconsciente com
cenas de transbordante violência, estampadas em guerras, bombardeios,
massacres, assassinatos das mais distintas formas, armas de fogo transformadas
em brinquedos para crianças, propagandas enganosas de bebidas alcóolicas, carros
circulando por espaços paradisíacos, produtos de beleza, nutriente, roupas e calçados,
filmes de terror, erotização incessante.
Os
resultados são rentáveis para os empreendedores. Equipamentos bélicos e armas de
fogo nunca foram produzidos e vendidos em tão larga escala. O assassinato campeia
solto. Automóveis ocupam os espaços urbanos de forma absurda. Tênis, bonés,
calças jeans, tatuagens e mochilas uniformizam populações inteiras. O sexualismo
invade os locais públicos. A obesidade toma conta dos perfis humanos.
A
comunicação de hoje é feita por meio de encenações bem editadas, coincidentes
com a finalidade gananciosa a que se destinam. Os livros são deveras
desvalorizados. Pouca gente entende o que lê. A maioria é vítima do
analfabetismo funcional. A civilização desaparece porque é incompatível com os
desperdícios do consumismo escandaloso que avança mundo afora, em ritmo
irreversível. A literatura se definha. A filosofia se esvai. A leitura vai
ficando cada dia mais próxima da sepultura. Assim caminha a humanidade, sob a
ditadura da imagem.
(publicado
no Correio Braziliense, caderno Opinião, em 31.03.2017 – pág. 19)
Atividades do texto.
1.
Segundo o autor, qual a estratégia usada para a padronização comportamental de nosso
tempo?
2.
Nos idos tempos da construção de um processo civilizatório qualificado, o que
se esboçava e em quais áreas do conhecimento?
3.
Por que, segundo o autor, o livro é uma das invenções mais diferenciadas de
todas as épocas?
4.
Quais as consequências da banalização do universo intelectual de cada
indivíduo, segundo o texto?
5.
Que tipo de ferramenta comunicativa, segundo o autor, está a serviço dos
interesses dominantes e por quê?
6.
Por que a imagem virtual escapa á análise reflexiva e consciente de cada
pessoa?
7.
Com quais imagens o autor diz que somos manipulados em nosso dia-a-dia?
8.
Como é feita, ainda conforme o autor, a comunicação de hoje?
9.
Você se considera um analfabeto funcional? Por quê?
10.
Ainda segundo o autor, por que a civilização está desaparecendo?
11.
Pesquise os significados e/ou conceitos abaixo:
A.
Analfabetismo funcional.
B.
Depreciar.
C.
Raquítico.
D.
Processo civilizatório.
E.
Ensejar.
F.
Ignóbil.
G.
Erotização.
H.
Sexualismo.
I.
Ditadura.
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