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DOSSIÊ DE HISTÓRIA - texto 02 – Terceiros anos. 18agosto2017


A LÍNGUA AGRADECERÁ

 JOSÉ HORTA MANZANO – EMPRESÁRIO

            Muitos traços distinguem a espécie humana dos demais seres animados.  Talvez o mais marcante, o que condiciona o modo como encaramos a existência, seja a noção da morte. Animal vive o instante presente. Para ele, passado e futuro não funcionam como para nós. Se animais superiores retém experiências do que passou, será para procurar repetir as prazerosas e para tentar evitar as dolorosas. O fato de o esquilo fazer provisões para o inverno não é resultado de raciocínio. O animalzinho obedece sem se dar conta, ao comando do instinto.
            Desde que o mundo é mundo, o homem sonhou com a imortalidade. Consciente de que o objetivo era inalcançável, agiu em duas frentes. Por um lado, fez o que pôde para prolongar a existência física. Por outro lado, aferrou-se a crenças religiosas. De fato, todas as religiões da terra – todas, sem exceção -, fincam sua razão de ser numa vida pós-morte. A ideia de, exalado o último suspiro, desaparecer, virar pó e ser esquecido á simplesmente insuportável. Cada um de nós guarda, bem lá no fundo, a tola esperança de que a grande ceifadora, distraída, esqueça de nos convocar.
            No entanto, ninguém fica para semente. Para deixar rastro de sua passagem, o homem das cavernas desenhava nas paredes. E não é que conseguiram seu intento? Pinturas rupestres nos falam hoje de fatos e gestos de 10 mil anos atrás. Um “João ama Maria” cercado por um coração e gravado a canivete num tronco de árvore, manifesta a mesma preocupação. Enquanto estiver de pé, a árvore guardará a marca dos entalhadores.
            Até dois séculos atrás, os meios de deixar lembrança eram poucos e estavam reservados para quem podia. Os mais abastados encomendavam escultura ou retrato pintado à mão. Se temos hoje ideia precisa de como era o rosto de um Napoleão ou de um Dom Pedro I, devemos o lembrete a pintores. Mas era solução apenas para um punhado de abonados. A invenção e a popularização da fotografia e do filme vieram paliar a ilusão de imortalidade de multidões. Vieram dar-lhes a ilusória sensação de que serão lembrados para sempre.
            Circunstâncias ás vezes fortuitas fizeram com que alguns sortudos fossem mais longe que o populacho. Há personagens cujo nome se ete3rniczou ao transformar-se em adjetivo comum. Platônico, pitagórico e cesáreo nos vêm da antiguidade. O Renascimento, embora nos tenha deixado dantesco, manuelino e maquiavélico, negou a homenagem a Leonardo da Vinci, grande entre os maiores. A par da pobreza franciscana e da paciência beneditina, os tempos modernos foram mais pródigos em conceder notoriedade adjetiva. As artes e, em especial, a política, deram contribuição importante. Temos cartesianos, bonapartistas, stalinistas, getulistas.
            Conquista maior do que se ver transformado em adjetivo, é chegar a substantivo. Não é para qualquer um. A esmagadora maioria dos agraciados são cientistas que deram nome a uma unidade de medida. Pascal, Celsius, Kelvin, Newton, Hertz, ampère, Watt, Ohm, Volta, Farad, Becquerel são alguns deles. Fora do mundo científico, poucos chegaram lá. Stalinismo, macarthismo e coquetel-molotov perenizam tenebrosas celebridades. Mas  chique mesmo – la crème de la crème – é virar verbo. O clube é para lá de restrito. Além-fronteiras, merecem destaque linchar (de Lynch), pasteurizar (de Louis Pasteur), galvanizar (de Luigi Galvani), boicotar (de Charles C. Boycott) e sanforizar (de Sanford Cruett). Na trilha de seus vaivéns em matéria de abertura do país a migrantes, Ângela Merkel está enriquecendo a língua alemã com novo verbo: merkeln, que significa hesitar, ficar em cima do muro. Malvadeza.
            No Brasil, só dois exemplos me ocorrem. Etimólogos atribuem a origem do verbo badernar a uma bailarina de sobrenome Baderna, que levou a moçada ao desvario no Rio de Janeiro em 1850. No fim do século 20, as travessuras de antigo governador biônico paulista – hoje procurado pela Interpol – fizeram que o povo utilizasse seu sobrenome (Maluf), como sinônimo de roubar.
            Nestes últimos tempos a brutal mudança de escala na rapinagem apequenou os feitos do antigo homem político de fala fanhosa. Badernou geral! Muito foi roubado e pouco tem sido devolvido. Esperemos que, depois de ter empobrecido o povo, alguns dos ladrões pelo menos enriqueçam a língua nos legando verbos novos para designar seus gestos. Nãos será ressarcimento total, mas já é melhor que nada.

(publicado no Correio Braziliense em 26junho2917 - página 09)


1. pesquise o significado das palavras:

 1.distinguir – 2.reter – 3.provisões – 4.aferrar – 5.fincar – 6.ceifadora – 7.rupestre – 8.abastados – 9.abonados – 10.fortuito – 11.populacho – 12.platônico – 13.pitagórico – 14.cesáreo – 15.Renascimento – 16.dantesco -  17.manuelino – 18.maquiavélico – 19.cartesiano – 20.bonapartista –21.stalinista – 22.getulista – 23.linchar – 24.pasteurizar – 25.galvanizar – 26.boicotar – 17.fortuito – 18.migrantes – 10.Ironia

2. Faça uma pequena biografia das personalidades citadas no texto:
1. Napoleão – 2. Dom Pedro I – 3. Stálin – 4. Getúlio Vargas – 5. Blaise Pascal – 6. Anders Celsius – 7. Barão Kelvin – 8. Isaac Newton – 9. Heinrich Rudolf Hertz –  
André-Marie Ampère – 10. James Watt – 11. Georg Simon Ohm – 12. Alessandro Giuseppe Antonio Anastasio Volta – 13. Michael Faraday FaradViatcheslav Molotov. – 14. William Lynch – 15.Louis Pasteur – 16.Luigi Galvani – 17.Ângela Merkel.
Obs. Sobre as personalidades com o sobrenome em NEGRITO, consultar o professor de Física.

3. Usando o texto como referência (menos a questão 3.A!), responda:
3. A - Quando surgem a fotografia e o cinema?
3. B – qual o traço mais marcante a nos distinguir de outros animais?
3. C – Ao sonhar com a imortalidade, o que o homem faz para alcança-la?
3. D – O que há de comum em todas as religiões do planeta?
3. E – Transcreva do texto, o parágrafo em que o autor usa a ironia.

5. E – explique o que é Verbo, adjetivo e Substantivo (Obs. consultar o professor de Português).

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