A LÍNGUA AGRADECERÁ
JOSÉ HORTA MANZANO – EMPRESÁRIO
Muitos traços distinguem a espécie
humana dos demais seres animados. Talvez
o mais marcante, o que condiciona o modo como encaramos a existência, seja a noção
da morte. Animal vive o instante presente. Para ele, passado e futuro não
funcionam como para nós. Se animais superiores retém experiências do que
passou, será para procurar repetir as prazerosas e para tentar evitar as dolorosas.
O fato de o esquilo fazer provisões para o inverno não é resultado de
raciocínio. O animalzinho obedece sem se dar conta, ao comando do instinto.
Desde que o mundo é mundo, o homem
sonhou com a imortalidade. Consciente de que o objetivo era inalcançável, agiu
em duas frentes. Por um lado, fez o que pôde para prolongar a existência
física. Por outro lado, aferrou-se a crenças religiosas. De fato, todas as
religiões da terra – todas, sem exceção -, fincam sua razão de ser numa vida
pós-morte. A ideia de, exalado o último suspiro, desaparecer, virar pó e ser
esquecido á simplesmente insuportável. Cada um de nós guarda, bem lá no fundo,
a tola esperança de que a grande ceifadora, distraída, esqueça de nos convocar.
No entanto, ninguém fica para
semente. Para deixar rastro de sua passagem, o homem das cavernas desenhava nas
paredes. E não é que conseguiram seu intento? Pinturas rupestres nos falam hoje
de fatos e gestos de 10 mil anos atrás. Um “João ama Maria” cercado por um coração
e gravado a canivete num tronco de árvore, manifesta a mesma preocupação. Enquanto
estiver de pé, a árvore guardará a marca dos entalhadores.
Até dois séculos atrás, os meios de
deixar lembrança eram poucos e estavam reservados para quem podia. Os mais
abastados encomendavam escultura ou retrato pintado à mão. Se temos hoje ideia
precisa de como era o rosto de um Napoleão ou de um Dom Pedro I, devemos o
lembrete a pintores. Mas era solução apenas para um punhado de abonados. A invenção
e a popularização da fotografia e do filme vieram paliar a ilusão de
imortalidade de multidões. Vieram dar-lhes a ilusória sensação de que serão
lembrados para sempre.
Circunstâncias ás vezes fortuitas
fizeram com que alguns sortudos fossem mais longe que o populacho. Há personagens
cujo nome se ete3rniczou ao transformar-se em adjetivo comum. Platônico,
pitagórico e cesáreo nos vêm da antiguidade. O Renascimento, embora nos tenha
deixado dantesco, manuelino e maquiavélico, negou a homenagem a Leonardo da
Vinci, grande entre os maiores. A par da pobreza franciscana e da paciência
beneditina, os tempos modernos foram mais pródigos em conceder notoriedade
adjetiva. As artes e, em especial, a política, deram contribuição importante. Temos
cartesianos, bonapartistas, stalinistas, getulistas.
Conquista maior do que se ver
transformado em adjetivo, é chegar a substantivo. Não é para qualquer um. A esmagadora
maioria dos agraciados são cientistas que deram nome a uma unidade de medida. Pascal,
Celsius, Kelvin, Newton, Hertz, ampère, Watt, Ohm, Volta, Farad, Becquerel são alguns
deles. Fora do mundo científico, poucos chegaram lá. Stalinismo, macarthismo e
coquetel-molotov perenizam tenebrosas celebridades. Mas chique mesmo – la crème de la crème – é virar
verbo. O clube é para lá de restrito. Além-fronteiras, merecem destaque linchar
(de Lynch), pasteurizar (de Louis Pasteur), galvanizar (de Luigi Galvani),
boicotar (de Charles C. Boycott) e sanforizar (de Sanford Cruett). Na trilha de
seus vaivéns em matéria de abertura do país a migrantes, Ângela Merkel está
enriquecendo a língua alemã com novo verbo: merkeln, que significa hesitar,
ficar em cima do muro. Malvadeza.
No Brasil, só dois exemplos me
ocorrem. Etimólogos atribuem a origem do verbo badernar a uma bailarina de
sobrenome Baderna, que levou a moçada ao desvario no Rio de Janeiro em 1850. No
fim do século 20, as travessuras de antigo governador biônico paulista – hoje
procurado pela Interpol – fizeram que o povo utilizasse seu sobrenome (Maluf),
como sinônimo de roubar.
Nestes últimos tempos a brutal mudança
de escala na rapinagem apequenou os feitos do antigo homem político de fala fanhosa.
Badernou geral! Muito foi roubado e pouco tem sido devolvido. Esperemos que, depois
de ter empobrecido o povo, alguns dos ladrões pelo menos enriqueçam a língua nos
legando verbos novos para designar seus gestos. Nãos será ressarcimento total,
mas já é melhor que nada.
(publicado no Correio
Braziliense em 26junho2917 - página 09)
1. pesquise o
significado das palavras:
1.distinguir – 2.reter – 3.provisões – 4.aferrar
– 5.fincar – 6.ceifadora – 7.rupestre – 8.abastados – 9.abonados – 10.fortuito –
11.populacho – 12.platônico – 13.pitagórico – 14.cesáreo – 15.Renascimento – 16.dantesco
- 17.manuelino – 18.maquiavélico – 19.cartesiano
– 20.bonapartista –21.stalinista – 22.getulista – 23.linchar – 24.pasteurizar –
25.galvanizar – 26.boicotar – 17.fortuito – 18.migrantes – 10.Ironia
2. Faça uma
pequena biografia das personalidades citadas no texto:
1. Napoleão – 2. Dom
Pedro I – 3. Stálin – 4. Getúlio Vargas – 5. Blaise Pascal – 6. Anders Celsius
– 7. Barão Kelvin – 8. Isaac Newton – 9. Heinrich
Rudolf Hertz –
André-Marie Ampère – 10. James
Watt
– 11. Georg Simon Ohm – 12. Alessandro Giuseppe Antonio Anastasio Volta – 13. Michael Faraday Farad – Viatcheslav Molotov. – 14. William Lynch – 15.Louis Pasteur – 16.Luigi Galvani – 17.Ângela
Merkel.
Obs. Sobre as
personalidades com o sobrenome em NEGRITO, consultar o professor de Física.
3. Usando o texto
como referência (menos a questão 3.A!), responda:
3. A - Quando surgem
a fotografia e o cinema?
3. B – qual o traço
mais marcante a nos distinguir de outros animais?
3. C – Ao sonhar com
a imortalidade, o que o homem faz para alcança-la?
3. D – O que há de
comum em todas as religiões do planeta?
3. E – Transcreva do
texto, o parágrafo em que o autor usa a ironia.
5. E – explique o
que é Verbo, adjetivo e Substantivo (Obs. consultar
o professor de Português).
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Respeito é palavra prática.